quinta-feira, maio 29, 2008

Don't Save Him


(A linha de um contrabaixo.)

Os passos que dou ecoam apressados nas ruas sujas, sobrepondo-se ao som da água nas sarjetas. Tenho de fazer a barba.

(O ressoar das peles de uma bateria.)

Mais que eu, a minha pulsação parece ansiosa por um cigarro. E um bom digestivo. Aquele jantar, se é que se lhe pode chamar alguma coisa, estava pesadíssimo.

(Dedos rápidos martelam um piano.)

A luz de um néon foleiro reflectida nas gotas de chuva miúda anuncia o meu restaurante favorito das redondezas. Por acaso, o mais velho, mas sinto-me em casa, tem música ao vivo.

(Os espasmos da surdina de um trompete)

Presa nas calças, a minha 30.6 espeta-me as costas a cada passo. Um pequeno incómodo que me dá segurança.

(Ouve-se ao longe um dissonante órgão poeirento.)

O circo trouxe as aberrações à cidade. Nunca gostei de palhaços, dão-me arrepios.

(O rasgo de um trombone)

Um Corvette passa a roncar e deixa uma fumarada para trás. Era aquele tipo que toca no bar já há duas semanas. Chama-se Frank ou Tom, um desses nomes. Gosta de estacionar mesmo à entrada. Deve ter achado piada dos ares de Birmingham.

(Um saxofone suspira uma escala qualquer)

Uma miúda de sapatos vermelhos e carteira de pele de crocodilo falsa está a porta a fumar um fino cigarro. Não tem mais de 21. Nunca a vi por aqui, deve estar de passagem como quase todos os que aqui vêm.

Ela ajeita o cabelo e eu entro.

O cheiro das conversas de café e o ar fumarento bafejam-me a cara, seguidos do familiar ranger da porta e o som de uma campainha. Típico restaurante à beira de uma estrada que dá para nenhum lado.

Ponho uns trocos pequenos na velha jukebox, sento-me junto à janela, o mais perto possível do bar, e peço o habitual.

Sobe uma figura com presença e olhar sério ao minúsculo estrado que serve de palco. Sempre era Frank, ou Tom, ou um desses nomes. A voz dele, forte e a oscilar entre o doce de um whisky velho e o roufenho de tabaco barato, pede um cinzeiro e uma garrafa, senta-se ao piano, e começa a tocar. Com o ar com que o faz, parece que escreve as músicas ali, no momento, e sai sempre da sala com uma mão-cheia de canções.

Deixo que a minha cabeça se distraia lentamente ao som da música e perco-me, a observar atentamente aquela personagem tirada dum mundo paralelo, não deste, tão parecido com o aquele a que gostava de pertencer. Cada música, cada cara, e cada letra, cada história cheia de pormenores…

(Um saxofone suspira a mesma escala)

Já fora da espelunca, ajeito a velha t-shirt branca dos Ramones, povoada de nódoas, por baixo do casaco.

A campainha toca, a porta range, e o fumo das conversas sai acompanhado de Tom, ou Frank, não sei bem, que guarda o escasso ganho da noite no bolso roto de trás. Ouve-se um estalido metálico e ele acende mais um cigarro com o seu isqueiro prateado.

Entra no Corvette e dá a volta à chave.

Dou um leve olhar à miúda dos sapatos vermelhos.

A voz rouca pergunta-me se quero boleia.

Ela ajeita o cabelo e eu entro.

Texto por Sgt.Pepper

(Mp3)
Tom Waits - I Never Talk to Strangers
(Mp3) Tom Waits - 29.00$
(Mp3) Tom Waits - Invitation to The Blues

1 comentário:

mister jones disse...

They sat together in the park
As the evening sky grew dark,
She looked at him and he felt a spark tingle to his bones.
'Twas then he felt alone and wished that he'd gone straight
And watched out for a simple twist of fate.

They walked along by the old canal
A little confused, I remember well
And stopped into a strange hotel with a neon burnin' bright.
He felt the heat of the night hit him like a freight train
Moving with a simple twist of fate.

A saxophone someplace far off played
As she was walkin' by the arcade.
As the light bust through a beat-up shade where he was wakin' up,
She dropped a coin into the cup of a blind man at the gate
And forgot about a simple twist of fate.

He woke up, the room was bare
He didn't see her anywhere.
He told himself he didn't care, pushed the window open wide,
Felt an emptiness inside to which he just could not relate
Brought on by a simple twist of fate.

He hears the ticking of the clocks
And walks along with a parrot that talks,
Hunts her down by the waterfront docks where the sailers all come in.
Maybe she'll pick him out again, how long must he wait
Once more for a simple twist of fate.

People tell me it's a sin
To know and feel too much within.
I still believe she was my twin, but I lost the ring.
She was born in spring, but I was born too late
Blame it on a simple twist of fate.